PEC da segurança pode criar uma nova polícia, a partir da PRF

Proposta foi levada pelo Ministério da Justiça à Casa Civil. Ideia é aumentar responsabilidade da União na segurança pública e melhorar integração das polícias.

10/10/2024

Uma proposta de emenda à Constituição (PEC), elaborada pelo Ministério da Justiça, prevê uma modernização do modelo de segurança pública no Brasil.

Entre outros temas, a PEC propõe a criação de uma nova polícia de nível federal, a partir da atual Polícia Rodoviária Federal (PRF).

O texto busca também integrar as diversas polícias do país. A avaliação de especialistas hoje é que cada corporação age de forma muito solitária e sem compartilhar dados, o que prejudica as investigações.

A PEC também procura reforçar o Sistema Público de Segurança, criando um modelo parecido com o do Sistema Único de Saúde (SUS) e dando mais responsabilidades para a União.

A Constituição de 1988 deixou a segurança pública como assunto predominantemente dos estados. Mas a avaliação do Ministério da Justiça é que a realidade desde então mudou e que o crime evoluiu e se tornou até transnacional, o que pede uma ação integrada do governo brasileiro.

Em reunião com ministros e empresários do setor alimentício nesta terça-feira (16) no Palácio do Planalto, o presidente Lula falou sobre a proposta para a segurança.

“Eu agora vou discutir uma política de segurança pública. Eu não vou fazer junto com o Lewandowski, com a Casa Civil, com a AGU [Advocacia-Geral da União], um projeto de segurança. Não. Eu vou chamar os 27 governadores dos estados para dizer o seguinte: ‘O governo federal quer participar da questão da segurança pública. Nós queremos saber qual é o nosso papel, aonde a gente entra, como a gente pode ajudar?'”, disse o presidente.

A nova polícia

A proposta de emenda à Constituição (PEC) em estudo no governo prevê a transformação da Polícia Rodoviária Federal (PRF) em uma nova polícia ostensiva federal, com atribuições mais amplas do que apenas o policiamento das rodovias federais.

Atualmente, o artigo 144 da Constituição lista as polícias existentes no país, incluindo uma polícia ferroviária federal, que nunca foi efetivamente implementada.

A nova polícia ostensiva, citada na PEC teria a responsabilidade de cuidar das estradas, ferrovias e hidrovias, suprindo essa lacuna.

Além disso, a PRF já atua fora das rodovias em algumas situações, como quando os estados solicitam apoio em operações, como ocorre no Rio de Janeiro.

A intenção do Ministério da Justiça é regulamentar essas atividades desempenhadas pela PRF, permitindo uma fiscalização mais rigorosa e a responsabilização de agentes que cometerem excessos.

Papel da nova polícia

O texto da PEC foi elaborado com a participação direta do ministro Ricardo Lewandowski. A concepção é que o governo federal deve ter duas polícias: uma judiciária, responsável por investigações, que continuará sendo a Polícia Federal (PF), e uma ostensiva, que será a nova corporação criada a partir da PRF.

Isso espelharia o modelo existente nos estados, onde há uma polícia judiciária (Polícia Civil) e uma ostensiva (Polícia Militar).

Substituição para a Força Nacional

A longo prazo, com a consolidação da nova polícia ostensiva federal, que ainda não tem um nome, ela poderá substituir a atual Força Nacional, que não possui um quadro fixo de profissionais.

A Força Nacional é composta por policiais cedidos pelos estados para atuar em situações que demandam reforço federal, um modelo criticado por poder desfalcar as polícias estaduais e ser caro devido ao pagamento de diárias aos policiais cedidos.

Os próximos passos da PEC

A minuta da PEC está em análise na Casa Civil do governo Lula. Interlocutores do ministro Lewandowski sugeriram que o texto seja apresentado ao Senado para iniciar sua tramitação.

O QUE DIZEM OS POLICIAIS?

PRF

Os integrantes das entidades de classe da PRF viram a possibilidade da medida como positiva e ressaltam que já desempenham o papel de combate ao tráfico de drogas, desmatamento e atendimento à população. A justificativa é que, por exemplo, localidades remotas, muitas vezes a PRF é a única força presente.

Para os policiais rodoviários, a inclusão daria segurança jurídica aos servidores. Hoje, a Constituição Federal impõe que PRF “destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais”.

Integrantes da PRF admitem que a mudança precisaria incluir uma reestruturação administrativa com criação de novas diretorias.

Entretanto, os policiais rodoviários justificam que a organização da carreira em “classes” e não em cargos (escrivão, delegado, por exemplo), pode trazer mais facilidade para o cidadão, já que apenas um PRF, desempenha a função de ponta-a-ponta, além da progressão de cargo único.

Ambas categorias, porém, afirmam que vão aguardar a redação final do texto. Enquanto isso, as entidades sindicais já se articulam com parlamentares para apresentar as vantagens e desvantagens de cada lado.

PF

Já as entidades de classe da Polícia Federal ressaltam a dificuldade orçamentária e ainda uma possibilidade de conflito entre polícias ostensivas sem um comando único.

Os integrantes da PF ressaltam que já há dificuldade com o orçamento da corporação com bloqueios e cortes. A alteração para polícia ostensiva teria que implicar em treinamento e recursos de equipamentos à PRF, com mais custo aos cofres públicos.

Outra avaliação é com dois comandos, as operações de combate ao crime organizado, por exemplo, poderiam ser conflitivas, com cada polícia atuando com o próprio aparato, sem comando único de inteligência.

Dirigentes da PF avaliam que hoje já há conflitos em operações em rodovias. Com a ampliação para política ostensiva a prática poderia ser ampliada para rios e portos, o que poderia trazer para o governo federal um conflito que já existe em alguns estados, sem a integração entre os policiais civis e os militares.

Um dos exemplos citados é no combate ao tráfico de drogas. A PF alega que usa “ações controladas”, em que monitoram rotas do tráfico. Em alguns casos, carretas e caminhões são interceptados pela PRF, o que impede a investigação completa da rota e dos possíveis suspeitos.

A PF ainda alega que já tem constitucionalmente essas atribuições que podem ser dadas à PRF e em todas as pontas: prevenção e investigação.